O “causo” que vou contar não tem muito a ver com astrologia, mas não deixa de ser interessante para quem se interessa pelo lado anedótico do tema profecias.
Texto de Bira Câmara
Quando editei o “Jornal do Bibliófilo”, em 2006, tive o privilégio de entrevistar um dos maiores alfarrabistas do Brasil, o Sr. Luiz Oliveira Dias, conhecido pelos amantes de livros como o Seu Luiz da Livraria Ornabi. Português de nascimento e brasileiro por adoção, hoje aposentado, é figura conhecida e estimada por todos os bibliófilos do Brasil e de Portugal. Sua livraria foi considerada o maior sebo do mundo e chegou a contabilizar mais de 300 mil volumes de todos os gêneros. Nos anos noventa, um jornalista paulista chamou a Ornabi de “Livraria do Nome da Rosa”, comparando-a à biblioteca que Humberto Ecco imortalizou no seu romance. Em 2003 o cineasta Luiz Nazario rodou um curta metragem em DVD onde Fernando Pessoa percorre a livraria Ornabi à procura de um livro raro, conversa com Seu Luiz e, mais tarde, com um crítico literário que lamenta o fim da literatura, da filosofia e do cinema na era digital. Um roteiro verdadeiramente emblemático...
Mas isso é apenas um preâmbulo para contar uma de suas histórias.
Certo dia, num bate-papo com Seu Luiz, como sempre a respeito de livros e escritores, ele puxou da estante uma obra com um título curioso: A Próxima Queda da Inglaterra pelas Profecias de Nostradamus, Bandarra e Gabriel Salazar, de 1940 (Ed. Moraes). Nas mãos de qualquer livreiro seria apenas uma obra curiosa, sem valor, que caiu no ostracismo pelo fiasco de uma profecia não cumprida (como a quase totalidade das de Nostradamus, cujos fãs distorcem a seu bel prazer para fazer sentido). Mas Seu Luiz conheceu não só o seu autor, como também a história de como a obra foi escrita, impressa e lançada... O escritor, Gabriel Salazar, usou a numerologia para predizer a capitulação dos ingleses aos nazistas que, como todo mundo sabe, nunca aconteceu.
Quando o livro chegou à livraria o livreiro decidiu expor um lote da obra no lado de fora de sua loja, fazendo pilhas de quatro em quatro volumes amarrados com barbante. Com esta exposição ele achava que os livros seriam vendidos rapidamente, dado o sensacionalismo do título e a atualidade do assunto. O mundo todo aguardava a qualquer instante a notícia da queda da Inglaterra. Mas o público ignorou solenemente o livro e nenhum exemplar foi vendido.
Alguns dias depois, o autor passou na livraria. Ao ver as pilhas de livros na calçada teve uma crise de histeria. Entrou na loja e discutiu asperamente com o livreiro-editor, acusando-o de ter destruído sua obra. O motivo, segundo Salazar, era numerológico: as pilhas não podiam ter sido organizadas em lotes de quatro exemplares, pois o número quatro é nefasto... A edição encalhou, virou pasta de papel, mas Seu Luiz conservou até hoje o exemplar que ganhou do autor. Um detalhe interessante desta história é que Gabriel Salazar era o pseudônimo de Savério Fittipaldi, tio de Émerson Fittipaldi.
Me desculpem a incredulidade, mas acho que o livro encalhou por outras razões. Naquela época o público leitor tinha um grau de educação e cultura muito superior ao de nossos dias. Atualmente uma obra deste gênero vende como água, mesmo que suas predições fracassem. Um exemplo disso é o sucesso de almanaques astrológicos e brochuras sobre Nostradamus e similares.
Prefiro tirar dessa história uma triste constatação: o leitor de hoje, produto de um sistema educacional degradado, vítima do bombardeio maciço da mídia com suas futilidades e bobagens, acaba consumindo esta literatura escatológica que as editoras despejam nas livrarias em detrimento das obras de qualidade. Sinal dos tempos, apenas isso.
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