sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A Igreja e a astrologia

Ao longo da Idade Média a Igreja nunca chegou a condenar expressamente a astrologia como um todo, mas perseguiu o charlatanismo e a crença deliberada no fatalismo astrológico total. Muitos padres e papas cultivaram a astrologia até a época moderna, embora oficialmente a Igreja desconfiasse da tentativa pagã de justificar as ações humanas por meio do determinismo planetário e estelar, o que implicava na negação da liberdade e, portanto, da responsabilidade do homem no mundo. Além disso, havia o risco de incentivar a adoração das divindades e potências sobrenaturais a que se atribui a regência dos astros. 

Texto de Bira Câmara

O cristianismo lutava contra os cultos pagãos e havia uma crença tomada dos mazdeístas, segundo a qual foram os anjos rebeldes que ensinaram aos homens a astrologia e a feitiçaria. Se a Roma pagã tinha aversão à astrologia por razões políticas, a Roma cristã a combateu como uma arte diabólica, por razão moral. No entanto, os primeiros cristãos praticavam a astrologia, como todas as seitas. Assim, nos concílios de Arles (ano 314) e da Laodicéia (ano 366), a Igreja proibiu aos padres o exercício da profissão de mágico ou de “matemático”, isto é, de astrólogo. 

No Concílio de Toledo (400), também foi decretado que “se alguém crê na astrologia ou na adivinhação, que seja excomungado”. E o Concílio de Braga (561) foi ainda mais explícito: “quem quer que acredite que os corpos dos homens são submetidos ao curso dos astros, como ensinavam os pagãos e os priscilianistas, que seja excomungado.” Outro argumento usado pela Igreja para estas proibições, era a preocupação de proteger os fiéis contra os charlatães que exploravam a credulidade das massas. Também os concílios de Agde (em 505), de Auxerre (570) e de Narbonne (589) renovaram a condenação às práticas astrológicas.

No entanto, os astrólogos medievais, padres em grande número, não foram incomodados pela Igreja. A exceção era feita somente aos que se dedicassem a práticas mágicas ou heréticas. Os maio­res doutores escolásticos falavam abertamente da influência dos astros sobre os atos humanos, evitando, entretanto, cair no determinismo absoluto. Em justificativa a esta postura apoiavam-se no adágio: Astra inclinant, non necessitant (Os astros predispõem, não determinam). Muitos astrólogos que sofreram perseguições por parte da Inquisição foram vítimas na verdade de conspirações de inimigos pessoais, como o caso de Cecco D’ Áscoli, ou punidos pela suposta prática de magia negra e heresia como Simon de Phares, Pietro D’Abano e o frade Nobilibus. Enquanto a condenação de Cecco foi muito mais obra da vingança de inimigos poderosos do que qualquer outra coisa, a de Pietro D’Abano nada teve a ver com a prática astrológica: ele morreu no cárcere do Santo Ofício por ter desafiado abertamente o poder pontificial e zombar dos dogmas cristãos. O processo de Phares é esclarecedor: não foram as suas predições astrológicas que o levaram à prisão, mas a suspeita de que elas eram “assopradas por um espírito familiar”. Já o astrólogo português Mathias Ayres teve melhor sorte: acusado de heresia por prever o futuro, escapou da fogueira graças à proteção do papa Paulo III, que era adepto entusiasta da astrologia. 

No século XII, a Igreja começou a se interessar pela astronomia e astrologia dos árabes, especificamente para tentar reduzir a influência dos astrólogos dos povos pagãos. A Igreja buscou compreender melhor a astrologia como uma tentativa para tornar “cientifico” o processo de leitura de presságios das estrelas, e então mantê-lo sob seu controle. Ela tinha interesse em aprender como predizer um eclipse e utilizar as tabelas planetárias. O potencial dos usos pastorais da astrologia não era ignorado pelos religiosos e inspirou muitos bispos a estudá-la. Para se ter uma idéia da importância da observação dos astros na Idade Média, um texto de Gregory de Tours, escrito em 570, dá instruções detalhadas para sincronizar a oração noturna com a ascensão de certas estrelas. Como ainda não tinha sido inventado o relógio, a passagem do tempo era medida cantando-se salmos. A estrela particular a ser encontrada e o número de salmos cantados mudariam de acordo com a época do ano e dependiam da duração das noites e da localização do Sol no Zodíaco.


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